segunda-feira, 29 de junho de 2009

Água - A economia que faz sentido


Ao colocar a teoria em prática e reduzir o consumo do precioso líquido, a garotada compreende as campanhas contra o desperdício.
A água é um recurso finito e não tão abundante quanto pode parecer; por isso deve ser economizada. Essa é uma noção que só começou a ser difundida nos últimos anos, à medida que os racionamentos se tornaram mais urgentes e necessários, até mesmo no Brasil, que é um dos países com maior quantidade de reservas hídricas — cerca de 15% do total da água doce do planeta. Não é por acaso que cada vez mais pessoas e organizações estão se unindo em defesa de seu uso racional. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), no século 20 o uso da água cresceu duas vezes mais que a população. A situação é tão preocupante que existe quem preveja uma guerra mundial originada por disputas em torno do precioso líquido.
Para não se chegar a esse ponto, a saída é poupar — e o esforço tem de ser coletivo. "São questões de comportamento e atitude que se encontram no centro da crise", diz o relatório da ONU sobre água no mundo. Muitas vezes as crianças têm maior consciência do problema do que seus pais, graças às escolas. O momento atual é muito oportuno para investir ainda mais no trabalho em sala de aula, porque a discussão está na ordem do dia. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) escolheu a água como tema da Campanha da Fraternidade de 2004 e o governo federal instituiu o Sede Zero, um programa vinculado ao Fome Zero.

Seca e pobreza

Em âmbito mundial, a ONU determinou o período entre 2005 e 2015 como Década Internacional da Água pela Vida. No próximo ano, os líderes políticos mundiais devem apresentar um plano de administração dos recursos hídricos do planeta. Em 2015 pretende-se atingir a meta de reduzir à metade (em relação a 2000) o número de pessoas sem acesso a água de boa qualidade, que hoje supera 1 bilhão — cerca de um sexto da população global. No Brasil, prefeituras de 19 regiões metropolitanas enfrentam dificuldades de fornecimento.
A idéia de que sobra água no mundo se deve ao fato de que ela ocupa 70% da superfície terrestre. Mas 97,5% deste total é constituído de água salgada. Dois terços do restante se encontram em forma de gelo, nas calotas polares e no topo de montanhas. Se considerarmos só o estoque de água doce renovável pelas chuvas, chegamos a 0,002% do total mundial.
Mesmo a suposta fartura hídrica do Brasil é relativa. A região Nordeste, com 29% da população, conta com apenas 3% da água, enquanto o Norte, com 7% dos habitantes, tem 68% dos recursos. Até na Amazônia, pela precária infra-estrutura, há pessoas não atendidas pela rede de distribuição. Portanto, a questão muitas vezes não se resume à existência de água, mas às condições de acesso a um bem que deveria ser universal.
Somados os dois problemas, resulta que 40% da população mundial não conta com abastecimento de qualidade. Cinco milhões de crianças morrem por ano de doenças relacionadas a escassez ou contaminação da água. Sujeira é o que não falta: 2 milhões de toneladas de detritos são despejadas em lagos, rios e mares no mundo todo dia, incluindo lixo químico e industrial, dejetos humanos e resíduos de agrotóxicos.

O papel da educação

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) citam a importância de um projeto educacional para a preservação dos recursos naturais. Segundo suas diretrizes, é essencial falar sobre a economia de água, abordando hábitos na escola e em casa. Exemplo: uma torneira aberta enquanto se escova os dentes leva ao desperdício de até 50 litros de água tratada.
Mesmo com a orientação, na maioria das escolas não se desenvolvem programas de uso racional desse recurso. "Os professores têm dificuldade de perceber as relações da teoria com o uso da água no cotidiano", afirma a consultora Sonia Muhringer, uma das autoras dos Parâmetros em Ação na área de Meio Ambiente. Para ela, outra falha no ensino do tema é tratá-lo sob um só aspecto. "Devia-se falar sobre esse assunto de forma interdisciplinar, não apenas em Ciências mas também em Matemática, História e sob o enfoque da ética."
O engenheiro Flávio Augusto Scherer concluiu em agosto do ano passado uma tese na Universidade de São Paulo (USP) e comprovou a falta de programas de conscientização do uso da água nas escolas brasileiras. "Dá para contar nos dedos as que adotaram algum projeto", afirma o especialista. O estudo contém orientações para as escolas obterem bons resultados com atividades nesse sentido (leia quadro abaixo).
Tão importante quanto a mudança nas instalações hidráulicas, na opinião de Scherer, é o investimento na capacitação de professores, diretores e funcionários. Somente se estiverem bem preparados os educadores podem agir de modo eficiente na formação de uma cultura contra o desperdício. Um dos projetos que Scherer considera exemplar é o do Centro Educacional São Camilo, em Cachoeiro do Itapemirim (ES).
A escola contou com a consultoria da organização não governamental Água e Cidade, de Curitiba. A ONG fornece aos alunos revistas em quadrinhos contra o desperdício de água enquanto os professores recebem um manual e passam por um curso de 20 horas para saber como transformar conhecimentos teóricos em exemplos práticos a serem apresentados na sala de aula. "A idéia do projeto é orientar o professor a aplicar o tema da água no cotidiano", diz Noemia Frison, gerente nacional da Água e Cidade.
No São Camilo, o programa batizado de Gota d'Água começou em 2002. A coordenação do projeto fez uma parceria com empresas privadas para a troca de torneiras manuais por automáticas nas pias e nos mictórios e a colocação de caixa acoplada nos vasos sanitários. "Em cinco meses, o consumo de água tinha baixado em 60%", diz a diretora Eliane Bettecher. A marca, contudo, é resultado muito mais do trabalho de mobilização feito pelos funcionários e alunos do que da troca de equipamentos. Os professores basearam o projeto nas dúvidas e necessidades apresentadas pelas turmas, que orientaram o programa para todas as classes, da Educação Infantil ao Ensino Médio. As atividades envolveram várias disciplinas, entre elas Matemática, Ciências e História.

Informação e criatividade

Na prática, a garotada passou primeiro por uma familiarização com a questão da água. Crianças e jovens acompanharam a medição do consumo nos hidrômetros e fizeram cartazes com avisos contra o desperdício. Em seguida, a criatividade entrou em campo. As classes de Educação Infantil participaram de um espetáculo de dança. As da 6ª e 7ª série e do Ensino Médio montaram uma peça de teatro. Estas últimas ficaram responsáveis ainda pela criação de um mural com poesias e pela composição do samba-enredo do bloco da escola, o Acadêmicos do São Camilo, apresentado no desfile carnavalesco da cidade do ano passado.
A coordenadora do programa, Adriana Penedo, diz que alguns jovens tiveram como desafio enfrentar a cultura do desperdício trazida de casa. Hoje o programa ganhou adesão de praticamente toda a garotada e expandiu-se para as famílias. Anualmente, o colégio promove a Gincana SOS Água, durante a qual se acompanha a conta de água da casa dos alunos por seis meses. As 6ª e 7ª séries analisam os boletos residenciais e da escola, com gráficos.
O programa do São Camilo atingiu a comunidade também com panfletagem nas ruas. O projeto se estendeu para outros 34 colégios públicos e particulares de Cachoeiro do Itapemirim, sob coordenação da escola. Os moradores de cidades próximas presenciaram palestras sobre economia de água, ministradas pela turmas do Ensino Médio.

Conscientização precede reformas

Em São Paulo, a Escola Estadual Oscar Thompson criou um programa educacional integrado para a economia de água. Em Ciências, as classes de 5ª a 8ª séries selecionaram fotos sobre o tema e analisaram a música Planeta Água, de Guilherme Arantes. A interpretação de gráficos e cálculos de porcentagem do consumo de água da casa dos alunos foram assunto das aulas de Matemática. Em Artes, a garotada elaborou o logotipo do programa. Na aula de Língua Portuguesa, a turma leu reportagem sobre o tema e escreveu uma redação. Em Geografia e História, os professores vão abordar fluxos migratórios, já que muitos brasileiros saem de suas regiões por causa de fenômenos ligados à água, como a seca nordestina.
Revisão hidráulica
Para que a escola economize água, a primeira providência sugerida pelo engenheiro Flávio Augusto Scherer é a revisão do sistema hidráulico do prédio. Assim é possível identificar possíveis vazamentos. Segundo o professor Orestes Gonçalves, do Programa de Uso Racional da Água (Pura) da USP, um bom método é separar os hidrômetros de cada ambiente, para determinar com mais clareza onde há desperdício e como enfrentá-lo. O trabalho exige mão-de-obra qualificada. A segunda medida possível é a troca de peças tradicionais por modelos que economizam.

Conheça equipamentos indicados pelo engenheiro Ricardo Chain, da Sabesp, e por Orestes Gonçalves.

• Arejador: Rosca interna adicionada à torneira que libera água e ar ao mesmo tempo e torna a vazão constante. Em caso de torneiras de alta pressão, a economia chega a 90%. Custa em média15 reais.
• Torneira de fecho automático: Fica aberta por um curto período de tempo, permitindo diminuir o consumo em 20%. Custa cerca de 135 reais.
• Torneira de fecho eletrônico: Equipamento regulado por sensor, que economiza o dobro de uma torneira automática. Custa no mínimo 400 reais.
• Válvula de descarga automática para mictório: Equipamento instalado em banheiros masculinos, que fecha sozinho. A economia é de 50% em relação a uma descarga convencional. Custa em média 135 reais.
• Bacia sanitária acoplada com caixa d'água: Libera apenas seis litros de água por descarga, reduzindo o consumo em 50%. Custa cerca de 110 reais.
• Regulador de vazão: Diminui a quantidade de água liberada pelo chuveiro. É recomendado para sistemas com aquecimento central. Economiza 60%. Custa 15 reais.

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